Era uma vez Brasil

Afinal, a colonização acabou?

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Afinal, a colonização acabou?

Victória da Paixão

   Aqui no Brasil, a produção de ciência é liderada por universidades públicas e institutos federais, porém o que é considerado ou não conhecimento ainda é baseado nos conceitos europeus. Com a entrada de indígenas, quilombolas, candomblecistas, pessoas negras e entre outros grupos racializados nesses locais de produção de ciência, a questão de como esses saberes são produzidos entrou em debate. 

“Além disso, as estruturas de validação do conhecimento, que definem o que é erudição “de verdade” e “válida”, são controladas por acadêmicas/os brancas/os. Ambos, homens e mulheres, que declaram suas perspectivas como condições universais. Enquanto posições de autoridade e comando na academia forem negadas às pessoas negras e às People of Color (POC) a ideia sobre o que são ciência e erudição prevalece intacta, permanecendo “propriedade” exclusiva e inquestionável da branquitude. Portanto, o que encontramos na academia não é uma verdade objetiva científica, mas sim o resultado de relações desiguais de poder de “raça”.” (KILOMBA, 2019, p 53) [1]

   Entramos na universidade para produzir conhecimento ou para reproduzir conceitos europeus? Estamos aqui para criar ou apenas para ser uma mão de obra barata e qualificada? Se as respostas forem a segunda opção, voltamos para a pergunta do título. Afinal, a colonização acabou ou não?

   A produção científica dos povos originários foi apagada durante o período colonial, porém mesmo na república esses saberes não foram valorizados por aqueles que dominam os locais de produção científica. Segundo Sueli Carneiro a ação de silenciar o conhecimento de um povo, impedir que ele tenha acesso a educação e impedir que esse grupo se entenda como produtor de conhecimento caracteriza o epistemicídio. A continuidade do epistemicídio pode ser visto na atualidade com a falta ou dificuldade de acesso de materiais criados por pessoas racializadas, com o sucateamento das escolas públicas, com a desvalorização ou constrangimentos impostos aos cientistas racializados, questionando a relevância do seu trabalho. 

   Então se o genocidio dos povos originários continua, o epistemicídio também e a exploração da mão de obra está cada vez pior, então podemos dizer que a colonização não acabou. Apenas podemos dizer que o projeto político colonial de extermínio e exploração dos povos indígenas e negros ganhou novas formas de agir, não podemos cair na falacia que a produção cientifica é isenta desse projeto, ao contrario disso, ela é uma ferramenta muito importante.

   A desvalorização do conhecimento dos povos originários faz com que a gente não conheça novas/velhas formas de viver em sociedade, como os quilombos, local onde não havia a exploração das pessoas, buscando atividades coletivas para o bem de todes. Ou como viver em harmonia com o meio ambiente e proteger as florestas da forma que os indígenas fazem. A colonização nos impede de conhecer religiões que não são baseadas no pecado ou no sofrimento do inferno, como as religiões de matrizes africanas, que não existe diabo. Sociedades que, antes do contato com o europeu, não tinham uma preocupação com o gênero da pessoa, não existia a ideia de homem ou mulher, mas sim de humano. Comunidades em que amar não era pecado. O racismo, o capitalismo, o machismo e a LGBTQIA+ fobia são consequências de uma colonização continuada até os tempos atuais.

   Para se levantar contra essas opressões é preciso conhecer o princípio africano de Sankofa, olhar para o passado para construir um futuro melhor com base nos conhecimentos ancestrais. Por isso a importância de valorizar a produção indígena, africana e afro-brasileira, mais que isso, entender que os estudantes de colégios públicos, apesar das estruturas negligenciadas propositalmente, são sim produtores de conhecimento.

   Agora conversando diretamente com os estudantes do Era Uma Vez Brasil… é preciso que você continue descolonizando sua mente, procure autores como Ailton Krenak, Kaká Werá, Vãngri Kaingáng, Chimamanda Ngozi, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, Lélia Gonzalez, Abdias Nascimento, Angela Davis, Grada Kilomba, Conceição Evaristo, bell hooks… Nós somos sim produtores de conhecimento, a desvalorização da escola pública que você estuda é uma forma de te colonizar, ler autores racializados que falam de uma nova/velha forma de viver em sociedade é resistir contra a colonização! 

 

REFERÊNCIAS

[1] People of color na tradução literal são pessoas de cor, ou seja, são pessoas que são racializadas. Grupos racializados, são todas as etnias que não são consideradas brancas. A definição de raça, como forma de segregação, foi construída por pessoas brancas, como o conceito de eugenismo, onde se procura o melhoramento da raça dominante por meio do extermínio de outras raças. No Brasil a branquitude se beneficia do genocido dos povos indígenas e negros. 

 

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Victoria da Paixão é mestranda do programa de Pós-graduação em História da UFBA. Ganhadora do prêmio Fundação Pedro Calmon pela lei Aldir Blanc na categoria memória com o trabalho “Apaoká: a história de mulheres negras para a difusão da memória do Estado da Bahia”. Faz parte do grupo de pesquisa Milonga: laboratório de pesquisa e extensão em direitos humanos, políticas públicas e gestão da diversidade, é Coordenadora da Comissão da Promoção por Igualdade Racial do Instituto Baiano de Direito e Feminismos (IBADFEM) e colunista do projeto Era Uma Vez Brasil.

 

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